quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Pobreza

É suposto pensarmos na pobreza. É suposto falarmos dela e enfrentá-la. Talvez averiguar porque é que ainda existe. Talvez fazer algo que ajude a acabar com ela...
Mas todos sabemos como é difícil erradicar um mal. Quase sempre, quando se corta de um lado, ele aparece num outro. No entanto, a demissão cómoda em relação ao que sabemos estar errado também pode ser inadmissível.
A chamada ajuda humanitária é importante. Às vezes, a oportunidade de a praticarmos pode estar mesmo ali ao nosso lado. Porque a pobreza reveste muitas formas, umas mais evidentes, outras camufladas. A questão coloca-se, desde logo, na sua identificação. É certo que existem situações de pobreza óbvia. Olhar para essas situações incomoda mas há quem não nos permita não olhar. Por vezes, a pobreza é "posta" aí para ser olhada na sua crueza, brutalidade e radicalidade. É por isso que admiro o trabalho de
Sebastião Salgado. A dimensão artística do seu trabalho fotográfico parece-me admirável. No entanto, é o seu olhar de intervenção que mais me cativa. E obriga-me a olhar...
A pobreza é uma realidade. Mas que integra diversos níveis da realidade e, por isso, distintos planos de análise. Julgo que todos se interpenetram. E talvez seja essa a razão profunda pela qual a pobreza não desaparece da face do nosso planeta.
A pobreza a que devemos acudir é aquela que é mais premente: a fome, a falta de condições sanitárias e de cuidados de saúde, o direito à habitação, à educação... Mas as outras formas de pobreza influenciam e perpetuam aquela, a mais urgente no combate. Refiro-me à pobreza de espírito, à pobreza de diálogo, à pobreza de solidariedade, à pobreza de ideais, à pobreza de afectos... A ausência de horizontes alargados e de perspectivas de progresso para as sociedades humanas, isso tudo é também aquilo que origina a pobreza ao nível mais primário e elementar.


O perfeito alheamento do outro em que vive a sociedade actual, a sociedade onde existe "fartura", onde existe riqueza, é também pobreza. A questão é: aqueles que nada têm para se alimentar, não podem ter qualquer tipo de intervenção real na sua situação. Estão dominados pela insatisfação das necessidades mais elementares. Mas aqueles que já têm essas necessidades satisfeitas, são só esses que podem alcançar, então, a realização de necessidades mais elevadas (à maneira de
Maslow e da sua pirâmide das necessidades). Mais elevadas como é o caso da necessidade de contribuir para um mundo melhor, por ex., ou na mesma linha, a necessidade de concretizar esse desejo mediante planos de intervenção eficazes e sua implementação efectiva. A questão é que também aqui existe pobreza. Não há muitos ideais nem há muitas crenças na possibilidade de um mundo melhor. E esta pobreza, tal como a outra, inibe toda a acção. Problema dos problemas, não podemos comprar ideais. Nem crenças. Só nos resta criá-los e criá-las.

A pobreza do diálogo, a pobreza de gestos de entreajuda, a pobreza do olhar... Talvez seja necessário combater esta pobreza que co-habita com a abundância, para chegar a acabar com a outra.
Bem sei, sou uma idealista.

(Imagens: fotografias de Sebastião Salgado)