sexta-feira, 11 de maio de 2007

O Perfume

A autora do Branco.Azul, aqui mesmo ao lado, é apreciadora de perfumes. Eu também sou. Pelo menos, até certo ponto... Há uns tempos atrás, falámos de perfumes da nossa preferência, no blog dela. Nessa altura, fiquei a pensar em perfumes, evidente, mas também no facto de poderem ser considerados verdadeiras criações artísticas, para além de objectos comerciais.
Não só um perfume constitui uma obra de arte como os frascos onde ficam depositados procuram acompanhar essa "ideia" criadora de um aroma. E tornam-se, igualmente, objectos artísticos. Aliás, em todo o perfume que adquirimos, grande parte do seu preço é o preço do seu frasco. Os perfumes, assim como os seus frascos, também têm uma história. Apetece-me recordar um "tudo nada" dela...



"Foi igualmente aqui que Grenouille cheirou pela primeira vez os perfumes na verdadeira acepção da palavra: a simples alfazema ou rosa que era hábito misturar na água dos repuxos quando se davam festas nestes jardins, mas igualmente aromas mais complexos e mais preciosos, de almíscar misturado com essência de flor de laranjeira e de tuberosas, junquilho, jasmim ou canela que flutuavam na noite como um rasto deixado pelas carruagens. "

"Um perfumista era uma espécie de alquimista, executava milagres, assim o pretendiam as pessoas, e, portanto, assim o era. O facto de a sua arte se resumir a um ofício como tantos outros era ele o único a sabê-lo e nisso residia o seu orgulho. Não desejava de forma alguma ser um inventor. Todas as invenções lhe despertavam fortes suspeitas, porque estavam sempre ligadas à infracção de uma regra. Também nem sequer lhe passava pela cabeça inventar um novo perfume para este conde de Verhamont. E também não tencionava, aliás, deixar-se convencer nessa noite por Chénier a adquirir o «Amor e Psique» de Pélissier. Já o tinha. O perfume estava ali, em cima da sua secretária, em frente da janela, num frasquinho de vidro com tampa trabalhada."
O Perfume, Patrick Süskind



"Na sua frente estava pousado o frasco que continha o perfume de Pélissier. À luz do Sol, o líquido emanava reflexos de um castanho-dourado, límpido, sem a mínima opacidade. Tinha um aspecto tão inocente como o do simples chá; e, no entanto, além de quatro quintos de álcool, continha um quinto desta mistura secreta, capaz de entusiasmar uma cidade inteira. (...)

Baldini assoou-se cuidadosamente e baixou um pouco a persiana da janela, porque a luz directa do Sol era prejudicial a qualquer elemento aromático e a qualquer concentrado olfactivo de certa qualidade. Da gaveta da secretária tirou um lenço, lavado, de renda branca e desdobrou-o. Em seguida desrolhou o frasco, agitando-o ao de leve. Posto isto, inclinou a cabeça para trás e apertou as narinas, dado que por nada deste mundo queria tirar uma conclusão precipitada, cheirando directamente do frasco. O perfume devia cheirar-se num estado volátil, aéreo e nunca concentrado. Derramou algumas gotas no lenço que agitou no ar para que o álcool se evaporasse e levou-o seguidamente ao nariz. Aspirou depois o perfume em três lufadas muito rápidas como se fosse um pó, depois expirou-o e abanou-se com a mão, voltou a aspirar segundo este ritmo ternário, e, para terminar, aspirou uma longa lufada que expirou devagar, detendo-se várias vezes, como se a deixasse escorregar por uma longa escada em declive."
O Perfume, Patrick Süskind



"O perfume era ignobilmente bom. Este patife do Pélissier era por infelicidade um artista. Um mestre, perdoe-nos Deus, e sem ter um mínimo de aprendizagem! Baldini desejou ter criado este «Amor e Psique». Não apresentava qualquer traço de vulgaridade. Era absolutamente clássico e harmonioso; e, todavia, de uma fascinante novidade. Era fresco, mas não enjoativo. Era aromático sem ser pesado. Tinha profundidade, uma magnífica, tenaz e marcada profundidade, mas sem nada de pesado ou sofisticado em demasia."
O Perfume, Patrick Süskind

(imagens recolhidas no Museu del Perfum )