sexta-feira, 25 de maio de 2007

Inutilidades


O instante é fugaz, o minuto é fugaz, a hora é fugaz. As coisas, não sabemos o que são nem porque se vão, se gastam. E nós? Dias para trás. A vida é fugaz. E nós?
Ali, ao balcão da pastelaria, inspirando o aroma do café, olhando os outros no seu constante ir e vir, ela repensou e mastigou de novo, pela milionésima vez, o perpétuo movimento. As mãos daquele homem de gabardina sebenta contavam toda uma vida para trás. Os olhos da rapariga bonita que comia uma torrada diziam que a vida é para a frente. Assim seria?
A rua libertava o seu apelo de corrida. A favor do tempo. Hoje é-se chuva, amanhã sol. Hoje é-se tudo, amanhã nada. Não há estado estacionário que resista a esta força motriz, vinda não se sabe de onde. "De Anima", talvez?
O café estava ali, à sua frente, mas agora, já não. Incorporado em si, iniciava agora uma nova existência, convertido no seu estômago numa nova essência. A perpétua transformação... de tudo.
Desejou ter a recapitulação total da sua existência anterior guardada em folhas de papel, unidas por um cordel que as impedisse de se soltarem, espalharem e perderem. Ou arquivadas num moderno ciberficheiro que pudesse abrir e consultar, em qualquer lugar, a qualquer hora. Reter. Reviver. Contrariar a seta do tempo.
Reparou nos carros que circulavam vertiginosamente à sua frente, por trás dos vidros frios da pastelaria, fugindo de modo irreversível ao seu olhar. Era algo chocante rever-se no absurdo dos seus pensamentos, na inutilidade dos seus desejos. Porque também a dominava o desejo de quietude, logo deixado para trás ao olhar o tempo marcado nos relógios e a premência de ir ao encontro de qualquer coisa a realizar. Porquê o vago mas intenso desejo de quietude? Porquê esta necessidade de parar um pouco e perder-se em divagações inúteis? Se nada pára. Se nada pretende parar. Nem nada pretendemos verdadeiramente que pare. Parar é morrer, dizem... Mas ela sabia que o seu desejo de quietude não era um qualquer obscuro desejo de morte. Contudo, algo a dilacerava interiormente face ao ritmo vertiginoso de tudo o que acontecia. Talvez gostasse muito simplesmente de um abrandamento de ritmo... Mas não, era mais do que isso. Era a sensação de perda irreversível. Sim, agora conseguia nomear com rigor o que sentia. Perda. Perda de cada segundo que foi e já não era. E que não voltaria a ser. A velocidade aumentava essa sensação e convertia-a em sentimento de impotência.
Pagou a despesa, o café, o queque, a água. Já estava fisicamente parada há demasiado tempo. Algo vital, lá de dentro de si, reclamava movimento. Com pena, olhou para trás, olhou-se no momento imediatamente passado, reviu-se encostada ao balcão, inutilmente pensativa. Conseguiu reter por segundos essa imagem, esse instante. Logo depois, tudo se esfumou. O ar frio da rua deu-lhe ânimo para continuar. No passo inexorável do futuro. A realizar...
Olhou para o relógio e considerou que estava com pressa.