segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Continua em...

O Música do Acaso tem um ano de existência. Esta experiência, da qual resultaram outros espaços a ela ligados, continua, após actualizações de várias ordens e respectivas reformulações, num novo endereço.

Agradeço a todos os que por aqui passaram, ao longo deste ano, a atenção dispensada.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Pessimismo reformado


Ainda a propósito da minha mais recente leitura (os contos de Dino Buzzati), deixou em mim profunda impressão o último destes textos que li, intitulado "O Sótão".
Nesta história singela, um homem vê-se confrontado com uma simbólica tentação que o leva à destruição, nomeadamente, ao fracasso enquanto artista pela realização medíocre da sua obra. A tentação que o atormenta e que, na verdade, poderia ser qualquer uma, desde que ligada ao prazer mais intenso e desregrado, reveste aqui a forma de uma pilha de maçãs, as quais, surgindo estranhamente numa arrecadação semi-abandonada, possuem cores e sabores (sabores, em especial) capazes de conduzir um homem à loucura, ao abandono de si e de toda a actividade produtiva. Parecem igualmente ter o efeito de o levar a optar por uma espécie de pacto com o diabo, em detrimento da escolha do bem identificado com o carácter sagrado da dignidade humana. A sua luta revela-se, logo à partida, algo artificial, uma vez que precisa de se comprometer com Deus, sob o jugo do medo que o domina, para conseguir realizar algo digno de nota para a sua vida e para si mesmo enquanto ser humano. Evidentemente, a história traz-nos toda uma série de ecos relacionados com o episódio bíblico do Jardim do Éden e respectivo "fruto proibido". Como se a "maçã de Adão e Eva" continuasse a atormentar-nos...

É realmente algo prodigioso, do ponto de vista literário, conseguir condensar tantas e tão complexas questões acerca da natureza humana, através de imagens aparentemente tão simples e mediante um simbolismo tão encantador quanto mais nos parece radicalmente ingénuo.
No entanto, este conto a que aludo é de um tremendo pessimismo, tão negro e assustador como a mais terrível história de violência assassina. Neste caso, a violência exerce-se a partir do sujeito para consigo mesmo, como se todo ele se desdobrasse, revelando nas suas profundezas um monstro humano, o qual tem como alvo desse intenso poder destrutivo, a sua própria pessoa. Malévolo perturbador na essência. Fatal na existência.

Por outro lado, esta história de um homem completamente dividido no universo das contradições revela uma intensa vivência religiosa. Com todas as "cargas" que essa dimensão de sentimento religioso acarreta, entre elas, a soberana culpa. Neste caso, fundamentada, talvez...
Problemático, profundo, encantador e filosófico-existencial, é este o universo de mais um grande escritor que ficará na lista dos meus admiráveis.

Mas a questão deste pessimismo que parece comum a tantos grandes pensadores, escritores e intelectuais, artistas ou boémios experimentadores da vida, visão de tantos e tantos que parecem convergir quanto às suas conclusões acerca do mundo e dos seres humanos... A questão é que todos, no seu conjunto, parecem formar uma impressionante amálgama de visões pessimistas da existência, sem hipótese de ser ignorada.

É sempre uma alternativa a escolher, a de permanecer no mundo com a postura própria de um Candide de Voltaire, acreditando que está tudo bem, pois este é o melhor dos mundos possíveis. Mas parece difícil não querer saber mais sobre o mundo, ainda que à custa da descoberta de não ser este o melhor de todos os possíveis. A agravar essa desilusão pode juntar-se o problema de não se saber indicar que outro mundo (em concreto) seria uma possibilidade e, de facto, melhor.


E a pergunta que se impõe é: onde estão as reais visões optimistas ou, no mínimo, progressistas do mundo e dos seres humanos? Onde reconhecer um pendor optimista e de confiança no futuro, onde os projectos se formem com a vontade de que aconteçam, mas sem que nos pareçam tão utópicos ao ponto de constituirem meras quimeras, ou fantasias ingénuas sem possibilidade de se realizarem? É ainda possível ser-se optimista, mesmo sabendo que a matéria-prima do humano tem um lado tão obscuro quanto um outro que pode ser brilhante?

Compreendo o pessimismo e eu mesma também o vivo. Reconheço-lhe fundamentos. Mas suponho, com esperança, a existência de outras perspectivas. É que sem esse desafio no horizonte, a vida parece constituir um pântano que faz desaparecer ideias e com elas todo o futuro possível...
Evidentemente, há muitas espécies de pessimismo e são muito diversos os contextos onde ele se pode fazer sentir. No entanto, antes de qualquer especificidade, ele parece constituir um modo de existir que lenta e gradualmente impregna as nossas redes neuronais. Depois... reflecte-se no domínio mais propício num dado momento. E a outra pergunta é: o mundo e a humanidade são entidades essencialmente negativas, ou o nosso esquema mental dominante tem poder para os tornar tal e qual assim? Se tem, também pode criar o inverso e trazê-lo efectivamente à existência.

Aqui fica uma posição que me pareceu interessante, manifestada por alguém de quem vale a pena saber mais... Jacques Attali! Sobretudo porque é uma visão optimista!

"(... a dualidade da história: ao mesmo tempo sentido e movimento, imobilidade e repetitividade. No fundo, a única coisa imóvel na história é o modo como as formas, naturais e sociais, nascem e desaparecem. Aquilo a que chamamos habitualmente a crise é, pois, o estado permanente de toda a realidade: uma forma é sempre uma tensão para um ideal, em realização ou em destruição; e a "não crise" é um momento extraordinariamente fugaz, uma utopia volátil entre dois períodos de crise, de reescritura do texto da história do mundo."

"A história é antes do mais a procura insaciável da liberdade contra a barbárie. Utiliza sempre a desordem, o mal, como sinal anunciador da urgência da ultrapassagem de si. Ainda aí, como em todas as coisas, o mal pode ser fonte de bem."

Jacques Attali in Entrevistas de Guitta Pessis-Pasternak (jornalista de ciência)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Dino Buzzati

Este é um autor cuja leitura não pode deixar de ser absolutamente recomendável. Li recentemente dele uma colectânea de contos publicada pela Cavalo de Ferro que se apresenta com o título "Pânico no Scala". De facto, este é o primeiro conto magnífico de todos os que no livro se oferecem a ler. A minha preferência vai, no entanto, para muitos dos outros.


Dino Buzzati (1906-1972)

"O Deserto dos Tártaros"
é o romance considerado a sua obra-prima, do qual vi há alguns anos a adaptação ao cinema de Valerio Zurlini. Desde logo, fiquei fascinada com o ambiente recriado, uma atmosfera de imobilidade onde a acção decorre quase só pelo poder mental de projectar os acontecimentos desejados e ambicionados. Essa mesma temática está igualmente presente em muitos dos seus contos, a avaliar por estes que li. Ou seja, Buzzati descreve o ser humano como aquele cuja energia criadora pode ser devastadora. Com a capacidade única de introduzir na realidade dimensões fantásticas e surreais, as quais conduzem a sua existência, na maior parte das vezes, a um irredutível absurdo. Pode não acontecer quase nada efectiva e realmente, mas a partir da intervenção criadora do humano, acontecem inumeráveis coisas... outras... É essa também a ideia, em grande parte, de "Pânico no Scala".



Dino Buzzati foi um grande escritor (de referir também a sua actividade como jornalista e o seu trabalho na pintura) mas, acima de tudo, foi um brilhante ser humano. Deixou-nos textos indiscutivelmente especiais e inesquecíveis. Escritos, em grande medida, com a elegância e o rigor formal de um classicista. Por outro lado, o conteúdo é fantástico e maravilhoso, excedendo todos os limites da forma na sua transbordante riqueza imaginativa, a par de uma profunda vertente existencial. Com a maior simplicidade narrativa, conduz-nos à reflexão pelos temas mais banais e, simultaneamente, mais radicais. É assim que nos transporta à matéria inexplicável de que se faz o humano.

Fica-nos o seu precioso e imperdível registo literário, o de uma dimensão da arte capaz de transfigurar a realidade até ao melhor e mais alto nível.

Uma pequena amostra:



"(...) Maio ia já bem adiantado, é verdade, altura em que a temporada do Scala, no entender dos mais intransigentes, começa a declinar, ocasião em que é de boa norma oferecer ao público, composto em grande parte por turistas, espectáculos de êxito seguro que não são duma exigência excessiva, escolhidos no repertório clássico mais tradicional; (...).

Mas naquela noite havia espectáculo de gala. (...) Eram nove menos dez, o teatro já estava cheio. Cottes olhou à volta, extasiado como um rapazinho. Por mais que os anos passassem, a primeira sensação, sempre que entrava naquela sala, mantinha-se pura e viva, como perante os grandes espectáculos da natureza. Muitos outros, com os quais trocava fugazes sinais de saudação, sentiam o mesmo, sabia-o. Disso mesmo nascia uma espécie de fraternidade, uma espécie de inócua maçonaria que aos estranhos, devia parecer porventura um pouco ridícula. (...)"
Dino Buzzati in "Pânico no Scala"



Pintura de C.D. Friedrich
"Giuseppe Gaspari, comerciante de cereais, de quarenta e quatro anos, chegou num dia de Verão à aldeia de montanha onde a mulher e os filhos passavam férias. Mal chegou, a seguir ao almoço, quase todos os outros tendo ido dormir, saiu sozinho para dar um passeio. Enveredando por um caminho íngreme que subia para a montanha, olhava à sua volta para observar a paisagem. Mas, apesar do sol, a sensação que tinha era de desilusão. Esperara que o lugar fosse um vale romântico com bosques de pinheiros e larícios, fechado por grandes falésias. Em vez disso, era um vale de contraforte alpino, fechado por cumes atarracados, como panettone, de aspecto desolado e baço. Um poiso de caçadores, pensou Gaspari, lamentando já não poder viver, nem que fosse por alguns dias, num daqueles vales, imagem de felicidade humana, dominados por penhascos fantásticos, onde inocentes hotéis em forma de castelo se erguem no limiar de florestas antigas, carregadas de lendas. E com amargura considerava que toda a sua vida fora assim: nada, no fundo, lhe faltara, mas cada coisa fora sempre inferior ao desejo de uma vida mediana que extinguia a necessidade, mas que nunca lhe dera uma alegria plena. (...)

Sim, ele, quarentão, tinha ido brincar com crianças, julgando-se criança, só que nas crianças reside uma espécie de angélica leveza, enquanto ele acreditara que era tudo a sério, com uma fé pesada e furiosa, incubada, quem sabe, por tantos anos sem dela ter consciência. Uma fé tão forte que tudo se tornara verdade - a ravina, os selvagens, o sangue. Entrara num mundo que já não era o seu, o das fábulas, passara os confins que não se podem impunemente tentar numa certa estação da vida. Dissera a uma porta secreta abre-te, julgando quase brincar, mas a porta abrira-se verdadeiramente. Dissera selvagens e assim acontecera. Seta, por brincadeira, e verdadeira seta o matava. (...)"
Dino Buzzati in "O Burguês Enfeitiçado"


Mais informação sobre o autor e a sua obra aqui e aqui

(As imagens foram obtidas em pesquisa do Google)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Trópico de Capricórnio

Para ler hoje:

"Não digo que Deus é uma grande barrigada de riso; digo que temos de rir com mais força, se nos queremos aproximar, que seja, de Deus. O meu único objectivo na vida é chegar perto de Deus - isto é, chegar mais perto de mim próprio. É por isso que não me importa a estrada por que enverede. Mas a música é muito importante. A música é um tónico para a glândula pineal. A música não é Bach ou Beethoven; a música é o abre-latas da alma. Torna-nos terrivelmente calmos por dentro, dá-nos a consciência de que o nosso ser tem um telhado."
Henry Miller in Trópico de Capricórnio





domingo, 6 de janeiro de 2008

Alguém contou...

Foi há anos atrás num fim de tarde. Estava frio e nas ruas a atmosfera era de tristonho bulício cortada pelo calor húmido e cinzento que pairava nos cafés. Ele entrou exactamente naquele com ar de quem quer vencer todas as situações. Olhou vagamente em redor e atirou um olhar directo para o balcão. Sabia quem procurava. E ali estava ela receosa. Face a um conhecido desconhecido. Tal como tudo é sempre, mesmo que julguemos que não. Encarou-o ainda ao longe, antes de se cumprimentarem. Depois, foram falando. Mas ela tremia com falta de jeito. Ele não. A segurança da situação estava na sua mão. E o prazer de sentir esse comando e direcção era evidente, espelhado no seu rosto imperturbável onde só os olhos brilhavam. Aconteceu assim num dia esperado numa vida inesperada. Tal como tudo acontece ser.



Tomou o café mas soube-lhe mal. Conversar de olhos bem abertos, surpresos, expectantes e incrédulos perante os sentimentos. Só isso importava. O errado e o certo indefiniam-se à frente deles, o resto do mundo estava num eclipse total. Porque a vida tem acontecimentos. Eles têm ecos, são consequências. Sim, acontece as pessoas encontrarem-se. E os encontros das pessoas produzirem efeitos: o efeito neles foi uma longa sucessão de factos. Foi. Das coisas simples, fizeram-se complicadas.

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Tudo se deu naquele dia, naquele encontro. Não sei se o primeiro, segundo ou terceiro. A ordem não importa. O instante sim. No momento etéreo quando o olhar olhou - entendeu - e o outro olhar só viu o que era magia. A vida às vezes faz-se em sintonia. Quando as vozes são da mesma ternura. Basta uma só vez para valer a pena.

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Sairam para a rua onde a noite entrava. Fria, triste e húmida, os olhares brilhavam. Não se sabe como, aproximaram-se. Ela teve que ir mas ele ficou. Até chegar tudo o que veio depois...

(Tenho que recriar o resto da história!)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Finding Neverland...


Polémicas à parte, pode ser fácil encontrar a melhor forma de começar um Ano Novo. Vale a pena abrir uma porta qualquer... e deixar entrar a Terra Do Nunca...

A música é inesquecível




Feliz 2008!


domingo, 23 de dezembro de 2007


B
OAS FESTAS!